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português para inglês: Mediações, interfaces, membranas General field: Arte/Literatura Detailed field: Mídia/multimídia
Texto de origem - português 1. Mediações, interfaces, membranas [extratos][1] Fernanda Bruno Mediações (…) Um enunciado comum: “quanto mais avança a produção tecnológica, mais incertas tornam-se as fronteiras que há pouco forneciam os parâmetros e limites segundo os quais o homem experimentava o mundo e a si mesmo”. Tornou-se usual, em nossos dias, dizer que humano e não humano, natureza e artifício, matéria e espírito, orgânico e inorgânico, presença e ausência, real e simulacro, próximo e longínquo – todos estes pares outrora nitidamente separados – encontram-se cada vez mais imbricados pelas novas tecnologias. A familiaridade do enunciado nos fornece índices sobre o modo como a tecnologia é caracterizada e experimentada na atualidade. Limitemo-nos a dois. O primeiro aponta para a relação entre a tecnologia e os deslocamentos a partir dos quais nosso tempo percebe-se em descontinuidade com o que o precede. No enunciado, a tecnologia apresenta-se como um dos agentes privilegiados de nossa historicidade, isto é, da experiência de que estamos nos tornando outros, que estamos diferindo em relação ao que há pouco éramos. Entre o que vínhamos sendo e o que estamos nos tornando, a tecnologia mostra-se como uma das condições de possibilidade desta passagem. Este tipo de análise do presente torna-se cada vez mais frequente em nossos dias: as investigações sobre as transformações que as tecnologias digitais de informação e de comunicação engendram na economia, na política, nas relações interpessoais, no ensino, etc. constituem apenas um dos inúmeros exemplos. O segundo índice diz respeito à natureza das transformações engendradas pelas novas tecnologias: elas são definidas como alterações na zona – denominada fronteira – que designa o limite entre dois domínios distintos, heterogêneos. Além disso, não se trata de fronteiras quaisquer. O que as novas tecnologias colocam em movimento, o que elas transformam, são o que podemos chamar de ‘fronteiras do humano’, isto é, os limites que definem o que lhe é próprio e que o diferenciam dos não humanos (natureza/artifício, orgânico/inorgânico), os limites que o habitam e o constituem (matéria/espírito) e os limites que diferenciam a experiência imediata e suportada por sua corporeidade biológica, natural e territorial e a experiência mediada por artefatos tecnológicos (presença/ausência, real/simulacro, próximo/longínquo). Os dois aspectos descritos acima denunciam uma mudança no estatuto da tecnologia, que não mais pode ser definida como mero instrumento a serviço do homem e da sociedade. Esta definição da técnica, como se sabe, pouco interroga o quanto o pensamento e a vontade humana são também produzidos pelos objetos que produzem. Reduzidos a instrumentos, os objetos técnicos são como intermediários passivos entre o polo humano/cultural e o polo natural/material que pouco intervêm sobre as fronteiras que os diferenciam e os definem. Estas, concebidas como definidas de antemão, podem contar com instrumentos que servilmente transportam forças, ações e intenções de um polo a outro, pois só um mundo com fronteiras estáveis pode confiar nos intermediários[2]. É no sentido de apreender um outro de modo atuação da tecnologia e de analisar as suas implicações para a transformação de algumas fronteiras envolvidas na relação que o sujeito estabelece consigo e com o mundo que a noção de mediação nos interessa. O que se torna a tecnologia e suas relações com o humano, com a sociedade e a cultura, quando não mais cumpre a função de intermediário, mas de mediação não apenas entre o homem e a natureza, mas também entre o homem e ele mesmo e o seu meio sociocultural? Uma primeira característica, já mencionada aqui, é a inclusão da tecnologia como um dos agentes de produção de nossa historicidade[3]. Conceber a tecnologia como mediação implica lhe conferir uma atividade que ao mesmo tempo em que põe em relação e permite trocas entre dois domínios distintos, neles engendra ou possibilita transformações[4]. Os objetos técnicos não encerram apenas funções (corporais ou mentais) previamente projetadas; eles reservam possibilidades de ação e de experiências que não estavam antecipadas e que reestruturam as relações e interações entre os homens e o mundo. Ao atuarem como dispositivos de mediação, os artefatos técnicos retroagem sobre o pensamento e a ação de que são produtos. Do processo de mediação advém uma série de rupturas que impedem que os atores nele envolvidos permaneçam inteiramente os mesmos. E a crescente velocidade das transformações tecnológicas tornam quase cotidianas tais rupturas. Não simplesmente percebemos, como os homens de outrora, que estamos afastados de um tempo que não mais habitamos e que apenas se faz presente como memória ou tradição. Experimentamos, no interior do tempo mesmo em que vivemos, a transitoriedade dos nossos próprios corpos, hábitos, valores, crenças. Numa palavra, experimentamos a transitoriedade das nossas próprias fronteiras, dos nossos próprios limites. Tomemos um exemplo: quando os laboratórios de Inteligência Artificial constroem programas capazes de simular certas funções cognitivas visando testar hipóteses acerca da mente e da cognição humana, não são apenas instrumentos que estão sendo construídos, mas um novo solo de problematização acerca do pensamento, do humano, da máquina e da matéria. Quando máquinas passam a simular funções cognitivas antes consideradas exclusivamente humanas, como o raciocínio lógico-matemático, quando seres absolutamente isentos de consciência passam a exibir comportamento inteligente e manipular representações simbólicas, quando certas formas de pensamento passam a manifestar-se não mais numa matéria especial – o cérebro humano – mas em qualquer matéria devidamente programada para processar informação e manipular símbolos segundo regras lógicas, as fronteiras que distinguiam os humanos dos não humanos, o natural do artificial, o espiritual do material acham-se dinamizadas. Seria simplificado olhar para os programas de inteligência artificial e ver apenas intermediários que permitem ao homem desvelar os mistérios da mente. A função de mediação que desejamos ressaltar nos permite ver o quanto estes artefatos técnicos promovem contato, trocas de informação e também alterações, diferenças nas partes envolvidas. Os programas de inteligência artificial constituem uma ‘superfície’ onde o mundo invisível dos processos mentais ganha alguma visibilidade, torna-se parcialmente manipulável, experimentável, assim como o mundo mudo da matéria passa a estocar, transmitir e processar informações, passando, num certo sentido, a falar a linguagem que se supõe ser a do pensamento – eis o primeiro movimento da mediação, através do qual certas regiões ou processos invisíveis, mudos, inacessíveis seja aos sentidos, à ação ou à compreensão, passam a se oferecer à visibilidade, à experimentação ou à significação. No exemplo de que estamos tratando, a mediação se dá tanto entre o homem e seu pensamento, quanto entre o pensamento humano e certas propriedades e dimensões da matéria. O segundo movimento diz respeito às transformações e deslocamentos que derivam do primeiro: a mediação não mantém intocados os termos envolvidos – as capacidades e limites do pensamento, do homem, da matéria e mesmo da máquina são, como vimos, reconfigurados. Um grande número de certezas que nos constituíam tornam-se questões que passam a fazer parte do modo como o homem concebe a si mesmo e as suas fronteiras em relação a outros seres – se máquinas destituídas de consciência exibem comportamento inteligente e intencionalidade, qual seria, em nós, a função da consciência?; se as máquinas mostram-se tão hábeis em tarefas que exigem o raciocínio lógico-matemático e tão estúpidas em tarefas simples e cotidianas que realizamos sem pensar, como segurar um objeto ou reconhecer o seu nome e função, o que se tornam, em nós, os limites entre a inteligência e a estupidez? O exemplo ilustra o quanto os objetos técnicos que produzimos não simplesmente transportam a nossa ação, intenção ou inteligência para uma exterioridade qualquer, mas também produzem sobressaltos que fazem o pensamento, o homem, a cultura diferir. Diferentemente de um mundo com fronteiras fixas que se comunicam através de intermediários que em nada as alteram, o processo de mediação supõe um mundo com fronteiras móveis, ou melhor, supõe o próprio movimento de constituição e de transformação de fronteiras. Esta relação entre o processo de mediação e o de transformação de fronteiras ficará mais clara a partir da noção de interface. Interfaces Usualmente, os estudos sobre interface procuram definir o conjunto de programas e aparelhos materiais que garantem a comunicação entre o homem e a máquina, particularmente os sistemas de informação numerizada. Em sua breve história informática, a interface homem/computador requer, inicialmente, que o computador represente a si mesmo para o usuário numa linguagem que este possa compreender. A singularidade do computador em relação a outras máquinas reside no fato de ele ser um sistema simbólico que, do início ao fim de seu processo de funcionamento, trafega representações ou signos: ‘pulsos’ de eletricidade são símbolos que valem como 0 e 1; estes representam um conjunto simples de instruções matemáticas que, por sua vez, representam palavras, imagens, mensagens de e-mail, etc. 10 11
2. Segundo Steve Johnson[5], o alcance da “revolução digital” dependeu desta capacidade de auto-representação do computador, pois ela permite que o mundo de 0/1, ininteligível para a maioria dos humanos, torne-se acessível, habitável e manipulável. Sem a construção de interfaces, portanto, os computadores permaneceriam meras máquinas de cálculo numérico. Ainda segundo o autor, a novidade que dá origem à interface contemporânea é a tradução da informação digital em uma linguagem visual; constitui-se, desde então, um espaço informacional. (…) A expansão de pesquisas que visam construir ou explorar os dispositivos materiais, informacionais, interativos, sensoriais e cognitivos que regem as interfaces entre homens e máquinas ou ambientes digitais atesta a relevância e o estatuto da tecnologia em nossas vidas. Quando se tratava simplesmente de instrumentos ou próteses, era preciso garantir a eficiência e presteza na realização das finalidades em questão; quando se trata de dispositivos de mediação, é preciso orquestrar a experiência de si, do outro e do mundo que a tecnologia torna possível. Segundo a perspectiva aqui proposta, o interesse pela noção de interface não se restringe à interação homem/ máquina que vínhamos descrevendo. Trata-se de estendê-la ao processo de mediação engendrado pela tecnologia afim de melhor compreender de que maneira este processo incide sobre as fronteiras do humano. Certos elementos e princípios que constituem a interface homem/máquina podem ser estendidos para o âmbito mais amplo da interface homem/homem ou homem/mundo efetuada pela tecnologia. O princípio que nos interessa explorar é o de que a constituição de uma interface, de uma via de interação entre dois domínios heterogêneos não implica a eliminação de superfícies ou camadas que se interpõem entre eles; é, antes, um processo de adição de camadas que potencializa a comunicação, a conexão e as trocas. A interface é, portanto, uma superfície, uma ‘camada’ que, ao invés de promover o afastamento entre dois domínios, os aproxima, na medida em que é através desta camada ou superfície que eles tornam-se sensíveis, acessíveis e significativos um para o outro. Além disso, a interação possibilitada pela interface não resulta numa indiferenciação ou unificação das partes envolvidas, numa eliminação das fronteiras presentes; as trocas e interações promovem, antes, uma contínua diferenciação das partes e dos limites que as distinguem e definem, constituindo, pois, a história das transformações que as caracterizam. A construção da interface gráfica na história da informática ilustra bem este princípio: a passagem da interface textual para a gráfica implicou, de fato, a adição de mais uma camada – a da linguagem visual – ‘separando’ o usuário da informação armazenada no computador. No entanto, como vimos, esta camada ampliou as possibilidades de acesso, manipulação, tradução e comunicação entre o usuário e o computador. Embora o usuário se encontre ‘materialmente’ mais distante da informação, sua experiência sensorial, motora e comunicacional é de maior proximidade. E esta proximidade alterou tanto o computador – sua função, seu papel social – quanto a experiência do usuário. As possibilidades do computador e do usuário foram e ainda são continuamente definidas e transformadas a partir desta superfície de trocas, traduções e metamorfoses que é a interface. A partir deste princípio que rege a criação de interfaces fica mais claro o modo como o processo de mediação engendrado pelas novas tecnologias as torna agentes de nossa historicidade, produzindo transformações nas fronteiras do humano. À medida que a tecnologia vai criando camadas de interfaces entre o homem e o mundo ou entre o homem e certos domínios dele mesmo, novas fronteiras se constituem, antigas fronteiras se reconfiguram. Neste sentido, a noção de interface assemelha-se à de membrana, pois diz respeito ao processo dinâmico de constituição de camadas ou superfícies que possibilitam trocas entre dois domínios heterogêneos, entre uma interioridade e uma exterioridade, e que constituem, simultânea e continuamente, as fronteiras que os diferenciam e os definem. O processo de mediação seria, pois, o processo de criação de uma interface. Por meio desta, um certo mundo, um certo objeto, um certo espaço, um certa possibilidade de ação ou de sensibilidade, antes destituídos de significado ou mesmo de realidade para o sujeito, passam a integrar o campo de sua experiência. Membranas (…) A abertura de vias tecnológicas de acesso ao interior do corpo torna-se, em nossa cultura, cada vez mais frequente. Por meio das tecnologias biomédicas, regiões cada vez mais profundas e cada vez menores – órgãos, tecidos, membranas, células, genes – tornam-se visíveis no momento mesmo do seu funcionamento. O interior do corpo, essa região de sombra que não podia ser vista do exterior, ao mesmo tempo em que era a condição de toda visão e exploração da exterioridade, perde progressivamente a sua opacidade. E não é só para o olhar, como imagem, que o interior se revela, mas também para o “tato”, digo, a ação, a manipulação. Com a biologia molecular e as técnicas de manipulação genética, torna-se possível agir sobre as menores e decisivas peças do corpo, intervindo diretamente na sua memória biológica. Este ingresso da tecnologia no corpo inclui, ainda, a manufatura de novos materiais capazes de penetrá-lo e habitá-lo. Desde o marca-passo cardíaco, às placas de titânio e ao silicone, os artefatos técnicos ingressam no corpo humano recompondo seu ritmo, sua estrutura ou remodelando sua forma. A cada dia menores e mais biocompatíveis, esses artefatos prometem interfaces mais eficientes e “digeríveis” entre o orgânico e o inorgânico. As pesquisas sobre implantes de eletrodos no cérebro constituem hoje uma forte promessa terapêutica para deficientes físicos e para doenças degenerativas como o Mal de Parkinson. Do mesmo modo, a nanotecnologia pretende, manipulando átomo por átomo, fabricar robôs ou circuitos de extrema velocidade no processamento de informação, capazes de funcionar em escala molecular. Um dos objetivos é permitir que estes artefatos miniaturizados penetrem no corpo humano para, por exemplo, auxiliar o sistema imunológico, reparar artérias danificadas ou mesmo potencializar certas faculdades mentais, como a memória. (…) Uma nova espacialidade ou topologia do corpo vem sendo delineada por essas práticas de intrusão tecnológica. As membranas se multiplicam e não deixam inalterados os limites entre a interioridade e a exterioridade. Sabemos que tais limites são dados pelo corpo – ele constitui tanto a fronteira quanto a mediação entre o interior e o exterior; também sabemos que esses mesmos limites não estão restritos ao corpo biológico – o modo como o interior se projeta no exterior e vice-versa não é unicamente determinado pela natureza do corpo, mas também por elementos socioculturais. Mais recentemente, a tecnologia tem se apresentado como um dos principais agentes de transformação do corpo[6] ou, segundo o que estamos tratando aqui, das fronteiras que o constituem. O que significa supor que os limites entre o dentro e o fora não são apenas dados pelo corpo natural, mas também pela técnica? “Nomeemos homem o animal cujo corpo abandona suas funções”[7], diz Michel Serres. Nossos órgãos lançam suas funções originais no exterior e adquirem novas funções. A boca que um dia esteve restrita à captura do alimento, agora fala ou significa; a mão-pata, que apoiava e locomovia, passou a pegar, depois a trabalhar e mais tarde a escrever – e hoje pega, trabalha e escreve cada vez menos; a memória deixa o cérebro, passa ao papel e agora aos chips. O homem que “abandona” o seu corpo é, portanto, o homem que faz técnica, mas isso não deve conduzir à suposição de que ela seja um mero prolongamento das funções do corpo – aí compreendidas as cognitivas –, pois ao disseminar suas funções no espaço externo, nem o corpo nem o mundo permanecem os mesmos – o interior e o exterior, bem como a mediação entre eles, ganham novos contornos. Com a escrita, por exemplo, um outro corpo e um outro mundo – um outro homem – advêm: novas relações entre os órgãos, novas experiências de tempo e espaço, novos objetos, novas instituições, etc. Deste modo, a interioridade e a exterioridade não são dimensões espaciais estáticas, mas domínios relativos à história das mediações onde as fronteiras entre o dentro e o fora não cessam de se alterar. (...) Esta concepção de que as fronteiras do corpo são continuamente transformadas ao longo de uma história de mediações faz apelo a uma topologia que encontra ressonância no trabalho de Gilbert Simondon[8]. Recusando a topografia que supõe um interior e um exterior absolutos, o autor propõe, no domínio da individuação do organismo vivo, uma topologia de diversos níveis de interioridade e de exterioridade: “o espaço das cavidades digestivas é uma exterioridade em relação ao sangue que irriga as paredes intestinais; mas o sangue é por sua vez um meio de exterioridade em relação às glândulas de secreção interna que derramam os produtos de sua atividade no sangue”. No vivo, o dentro e o fora são, portanto, um processo dinâmico de “mediação transdutiva de interioridades e exterioridades”. Esta topologia supõe uma cronologia do vivo que não coincide com a forma física do tempo. O espaço interior é correlativo a um tempo sucessivo condensado, a um passado que está presente “sem distância e sem atraso” na medida em que o que foi produzido pela individuação no passado faz parte do conteúdo do espaço interior que, por sua vez, está em contato topológico com o conteúdo do espaço exterior sobre os limites do vivo. A exterioridade é, assim, um futuro: dizer que uma substância pertence ao meio exterior significa dizer que ela pode advir. O presente é, por fim, “esta metaestabilidade da relação entre interior e exterior, entre passado e futuro”, relação que caracteriza o processo de individuação. (…) Mais do que um instrumento ou uma prótese que prolonga ou repara as funções do corpo, participa da história das fronteiras que o constituem, adicionando membranas ou camadas de interface (entre o dentro e o fora, o natural e o artificial, o orgânico e o inorgânico) que reconfiguram tanto a relação do homem com o espaço interno do seu corpo quanto com a exterioridade. A medicina e a engenharia genética, ao permitirem gerir esse gerir esse “possível em sono”[9] que é o nosso genótipo, fazem surgir, num mesmo movimento, uma nova modalidade de doença que se “manifesta” no silêncio dos órgãos[10], pois trata-se da enfermidade que podemos vira a ter, a doença virtual, e não a doença atual que nos informa, por dores, sintomas e sinais, sobre o estado do corpo presente. Essa transparência do gene confere, ainda, uma profundidade à superfície do corpo. Na pele e nos os pelos residem não apenas os traços superficiais e visíveis, mas os traços profundos e inequívocos da identidade genética, agora 12 13
3. identificável por diversos tipos de controle. Embora ‘naturalmente’ a pele seja um espaço de revelação, exibição ou exposição, ela sempre pôde guardar, proteger ou manter em segredo. Não é por acaso que rubores, suores e odores são comumente experimentados com algum constrangimento, como uma espécie de traição epitelial, de exposição involuntária da intimidade sobre a pele. No que concerne à identidade genética, parece não haver reserva possível - toda informação encontra-se na pele, disponível ao escrutínio alheio. Já os tecnoimplantes e próteses interiorizáveis, assim como os diversos tipos de transplantes, permitem que o nosso corpo contenha matérias ou partes de corpos dos mais variados tipos e proveniências – nano-máquinas, circuitos eletrônicos, fígados de porco, corações e córneas de homens mortos; todos esses outros corpos tornam-se parte da gestão e reflexão sobre o corpo individual. Se o que pode ser um corpo depende das membranas que o constituem, das interfaces que estabelece com a exterioridade e das interfaces entre as partes que compõem o seu espaço interno, estas novas membranas que a tecnologia vem produzindo participam e transformam as possibilidades do corpo e a experiência que temos dele. Mas não é apenas ingressando no corpo que a tecnologia vem multiplicando as suas membranas. Além destes dispositivos que claramente atestam uma tentativa de promover uma maior imersão sensorial nos ambientes digitais, há aqueles que procuram constituir um espaço informacional estendido que possa ser acessado em tempo e lugar oportunos. A expansão da comunicação móvel e dos objetos ‘inteligentes’ portáteis que permitem acionar espaços e agentes remotos redimensionam a conectividade dos corpos, misturando “uni-presença física e pluri-presença mediatizada”[11]. Num sentido semelhante, o desenvolvimento dos sistemas cartográficos informatizados permitem, quando acoplados a captores de tráfico ou a dispositivos de localização de veículos por satélites, coletar em tempo real informações sobre o tráfico e planejar um trajeto otimizado. Por meio destes sistemas, o fluxo de informações nem sempre visualizável e acessível que circula em nosso mundo compõe um espaço informacional disponível, visível e auscultável para o corpo em deslocamento. As fronteiras que habitualmente circunscrevem as possibilidades de relação do corpo com o espaço são reconfiguradas: embora o corpo permaneça fisicamente ancorado no aqui e agora, seu espaço de ação e de percepção combina, pela mediação tecnológica, estratos locais e globais, geográficos e informacionais, próximos e distantes. (...) Os dispositivos mencionados tendem a redimensionar os limites sensoriais, motores, expressivos e materiais do corpo, possibilitando formas inéditas de experimentação seja do espaço ordinário, seja dos novos ambientes e redes numéricos que agora integram nosso mundo. Paralelamente aos projetos técnicos ou funcionais, estas experimentações vêm sendo amplamente exploradas pela arte tecnológica contemporânea. (…) Todos os corpos que aqui apresentamos – corpos cada vez menos restritos ao seu invólucro orgânico, corpos que se abrem e se oferecem, no que têm de mais vital e ‘natural’, à modulação técnica, corpos que jamais estão imediatamente no mundo, mas sempre mediados por dispositivos técnicos – podem representar a eliminação das últimas fronteiras que ainda nos permitem ser vivos, orgânicos ou humanos. Todas estas intervenções tecnológicas sobre o corpo podem significar uma radical tecnicização da vida, da experiência e do que ainda nos resta de natural. Tais mutações podem ainda portar o risco de perdermos o que nos implica na ação e na reflexão ética – “se o corpo não existe, tudo é possível”. Anuncia-se, é certo, que não temos mais os mesmos corpos de outrora. Mas não é tão certo que não tenhamos mais corpo algum. Se por um lado certas modalidades de experiência do corpo tornam-se menos frequentes, necessárias ou evidentes, emergem, por outro lado, novos regimes de visibilidade, afecção, percepção e sensorialidade que implicam tanto nossos suportes ditos naturais quanto os técnicos. Resta, sem dúvida, interrogar e explorar os modos de subjetivação que derivam deste corpo, destas membranas artificiais que a ele se adicionam. Que mente, que cognição, que paixões são aí implicados, propostos, possíveis? E ainda, que formas de controle aí estão sendo criadas? Estas questões, ainda por pensar, concernem não tanto ao que a técnica furta ou elimina no humano, mas sim ao que ela propõe ou inventa de humano. Apreender a tecnologia como mediação, interface ou membrana é uma primeira tentativa de explorar a sua participação na história das fronteiras que nos constituem. 1 Este texto reproduz extratos do artigo “Mediação e Interface: incursões tecnológicas nas fronteiras do corpo”, publicado em 2001. Cf. Da Silva D. F.; Fragoso, S. (Orgs.). Comunicação na cibercultura. São Leopoldo: Unisinos, 2001, pp. 191-215. 2 Esta apresentação da concepção dos objetos técnicos como intermediários baseia-se, em parte, no trabalho de Bruno Latour. Cf. Latour, B. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. 3 Sobre a relação entre a técnica contemporânea e a história, Cf. Vaz, P. “A História: da experiência de determinação à abertura tecnológica”. In: D’Amaral, M. T. (Org.) Contemporaneidade e Novas Tecnologias. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996. 4 A tentativa de pensar a tecnologia sob a perspectiva da mediação, assim como a relação entre a tecnologia e a historicidade do humano e da sociedade encontra ressonância nos trabalhos de Bruno Latour e de Michel Serres – particularmente no conceito de transcendental objetivo, a partir do qual este último autor propõe que o aquilo que podemos ser e pensar depende do que somos capazes de fazer, isto é, depende do que as nossas técnicas, atual e virtualmente, tornam possível. Cf. Serres, M. Hermes IV - La distribution. Paris: Minuit, 1977; Statues. Paris: François Bourin, 1987; Latour, B. e Serres, M. Eclaircissements: cinq entretiens avec Bruno Latour. Paris: Flammarion, 1994. 5 Johnson, S. Interface Culture: how new technology transforms the way we create and communicate. New York: Harper Collins, 1997. Cf. também Laurel, B. Computer as theatre. Massachusetts: Addison-Wesley, 1993. 6. Os estudos sobre este tema datam, em sua maioria, da segunda metade do nosso século e vêm se tornando cada vez mais numerosos desde a década de 70. Michel Serres, Donna Haraway, François Dagonet e Paul Virilio são referências importantes nos estudos sobre a relação entre corpo e tecnologia. 7 Serres, M. “Préface”. In: Testart, J. L’Oeuf Transparent. Paris: Flammarion, 1986. 8 Cf. Simondon, G. L’Individu et sa Genèse Physico-Biologique. Paris: PUF, 1964. 9 Serres, M., 1986, op.cit., p. 10. 10 A saúde, até a década de 50 de nosso século, foi definida como “a vida no silêncio dos órgãos”. Hoje, com a antecipação das enfermidades virtuais, há doença no silêncio dos órgãos. Cf. Canguilhem, G. La Santé, Concept Vulgaire & Question Philosophique. Toulouse: Sables, 1990 e Bruno, F. Do Sexual ao Virtual. São Paulo: Unimarco, 1997. 11 Weissberg, J-L. Présences à distance. Paris: Harmattan, 1999. 14 15
Tradução - inglês 1. Mediations, interfaces, membranes [extracts][1] Fernanda Bruno Mediations (…) A common enunciation: “the more the technological production advances, more uncertain become the borders that, not long ago, provided the parameters and limits under which man experienced the world and himself”. It has become customary in our days to say that human and non human, nature and fabrication, matter and spirit, organic and inorganic, presence and absence, real and simulacrum, near and distant – all these pairs once clearly separated – are increasingly intertwined by new technologies. The familiarity of the enunciation provides us pointers to how technology is characterized and experienced today. Let us limit ourselves to two of them. The first one points to the relationship between technology and the dislocation through which our time is perceived in discontinuity in relation to what precedes it. In the enunciation, technology is presented as one of the privileged agents of our historicity, that is, of the experience of becoming somebody else, of becoming different from what we used to be not long ago. Between our former being and what we are becoming, technology shows itself as one of the feasibility conditions of this passing. This type of analysis of our present time becomes increasingly more frequent in our days: investigations about the transformations that information and communication digital technologies engender in the economy, politics, interpersonal relations, teaching, etc., constitute only one of many examples. The second pointer concerns the nature of the transformations engendered by new technologies: these are defined as changes in the zone – called border – that designates the limit between two separate, heterogeneous domains. Furthermore, these are not ordinary borders. What the new technologies put in motion, what they convert, are what we call ‘human frontiers’, that is, the limits that define what is proper to being human and what differentiates it from non humans (nature/fabrication, organic/inorganic), the limits that inhabit and constitute what is human (matter/spirit) and the limits that differentiate the immediate experience which is supported by its biological, natural and territorial corporeality and the experience mediated by technological artifacts (presence/absence, real/simulacrum, near/far). The two aspects described above implicate a change in the status of technology, which can no longer be defined as a mere instrument at the service of man and of society. This definition of technique, as is well known, little interrogates how thought and human will are also be produced by the objects that they produce. Reduced to instruments, technical objects are like passive intermediaries between the human/cultural and the natural/material pole that barely interferes in the borders that both distinguish and define them. These, conceived as defined beforehand, may count on instruments that slavishly transport forces, actions and intentions from one pole to the other, because only a world with stable borders can rely on intermediaries[2]. It in is the sense of grasping another way through which technology operates and analyzing the implications in the transformation of some borders involved in the relationship that the subject establishes with himself and the world that the notion of mediation concerns us. What becomes of technology and its relations with what is human, and with society and culture, when it does not fulfill anymore the role of an intermediary, but of mediation, not only between man and nature, but also between man and himself and his socio- cultural environment? A first characteristic, already mentioned here, is the inclusion of technology as one of the agents of the production of our historicity[3]. To concoct technology as mediation implies bestowing upon it an activity that, at the same time establishes a relation and allows exchange between two separate areas, engenders or enables transformations in them[4]. Technical objects do not contain only previously designed functions (corporal or mental); they reserve possibilities of action and of experiences that were not anticipated and which restructure relationships and interactions between men and the world. By acting as mediation devices, technical artifacts retro-act on the thought and action of which they are products. The mediation process stems from a series of disruptions that prevent the actors involved from remaining entirely the same. And the increasing speed of technological transformations turns such disruptions into almost daily events. We no longer perceive, as men of yesteryear, that we are detached of a time we no longer live and is only present through memories or tradition. We experience, within the same time we live, the transitory nature of our own bodies, habits, values, beliefs. In a word, we experience the transitory nature of our own borders, of our own limits. Let us take an example: when artificial intelligence labs develop programs capable of simulating certain cognitive functions aiming to test hypotheses about the human mind and human cognition, these instruments are not the only things being built, but also a new ground for problematization of thought, of what is human, machine and matter. When machines begin to simulate cognitive functions considered before as exclusively human, as logical-mathematical reasoning, when human beings absolutely free of conscience start displaying intelligent behavior and manipulating symbolic representations, when certain forms of thinking start to manifest not in a given matter only – the human brain – but in any matter duly programmed to process information and manipulate symbols according to logic rules, the borders that distinguished humans of non-humans, natural of artificial, the spiritual of material become dynamized. It would be a simplification to look at the artificial intelligence programs and see only intermediaries that enable man to unveil the mysteries of the mind. The function of mediation that we wish to emphasize allows us to see how these technical artifacts promote contact, information exchanges and also changes, differences in the parties involved. The programs of artificial intelligence constitute a ‘surface’ where the invisible world of mental processes earns some visibility, becomes partially manipulable, experienceable, as well as the silent world of matter starts storing, transmitting and processing information, starting, in a certain sense, by speaking what is supposed to be the language of thought – this is the first movement of mediation, through which certain regions or processes that are invisible, silent and inaccessible to the senses, action or understanding, begin to show themselves to visibility, experimentation or signification. In the example we are dealing with, mediation happens both between man and his thought as between the human thought and certain properties and dimensions of the matter. The second movement concerns the changes and dislocations that derive from the first: mediation does not keep the terms involved untouched – the capabilities and limitations of thought, man, matter and the machine are, as we have seen, reconfigured. A large number of certainties that formed ourselves become issues that grow part of the way man conceives himself and their borders in relation to other human beings – if machines devoid of conscience display intelligent behavior and intentionality, what would be, among us, the role of conscience?; if machines are so accomplished at tasks requiring logical and mathematical reasoning and so stupid at simple and routine tasks that we perform without thinking, such as holding an object or recognizing its name and function, what become the boundaries between the intelligence and stupidity in ourselves? The example illustrates how the technical objects that we produce do not simply carry our action, intention or intelligence to any exteriority, but also produce disturbances that make the thought, man itself and culture differ. Differently from a world with fixed borders that communicate through intermediaries that do not change them, the mediation process assumes a world with mobile borders, or better, assumes the very movement of constitution and transformation of borders. This relationship between the mediation process and the transformation of borders will become more clear with the notion of interface. Interfaces Usually, studies on interfaces seek to define the set of programs and material apparatus that ensure the communication between man and machine, particularly digitized information systems. In its brief history in computing, the human/computer interface requires that, initially, the computer present itself to the user in a language he can understand. The singularity of the computer in relation to other machines lies in the fact it is a symbolic system which, during the whole of its functioning process, transmits representations or signs: ‘pulses’ of electricity are symbols that are worth 0 and 1; these represent a simple set of mathematical instructions which, in turn, represent words, pictures, email messages, etc. 16 17
2. According to Steve Johnson[5], the reach of the “digital revolution” relied in this ability of self-representation by the computer as it allows the world of 0/1, unintelligible to the majority of humans, to become accessible, habitable and manipulable. Without the construction of interfaces, therefore, computers would remain mere numerical calculation machines. Still according to the author, the novelty that gives rise to the contemporary interface is the translation of digital information to a visual language; it constitutes, since then, an informational space. (…) The expansion of research aiming to build or explore the materials, informational, interactive, sensorial and cognitive devices which govern the interfaces between men and machines or digital environments attests the relevance and status of the technology in our lives. When there were simple instruments or prostheses, it was necessary to ensure the efficiency and readiness in accomplishing the purposes in question; when it comes to mediation devices, it is necessary to orchestrate the experiences of oneself, of the other and of the world that were made possible by technology. According to the perspective proposed here, the interest for the notion of interface is not restricted to the man/machine interaction we have been describing. The aim is to extend it to the mediation process engendered by technology in order to better understand the way this process influences human frontiers. Certain elements and principles which constitute the human/machine interface may be extended to the broader scope of the man/man or man/world interfaces executed by technology. The principle that is of interest exploring is that the constitution of an interface, of a path of interaction between two heterogeneous domains does not imply the elimination of surfaces or layers that are interposed between them; rather, it the process of adding layers that leverages communication, connection and exchanges. The interface is, therefore, a surface, a ‘tier’ which, instead of promoting the distancing between the two domains, brings them closer, to the extent that it is through this layer or surface that they become sensitive, accessible and significant for each other. In addition, the interaction enabled by the interface does not result in lack of differentiation or unification of the parties involved, eliminating the existing borders; the exchanges and interactions promote, beforehand, a continuous differentiation of the parties and limits that distinguish and define them, thus, forming the history of the transformations that characterize them. The development of the graphical interface in the history of computing illustrates this principle: the passage from the textual to the graphics interface, in fact, entailed the addition of a further layer – the visual language – ‘separating’ the user from the information stored in the computer. However, as we have seen, this layer has extended the possibilities of access, manipulation, translation and communication between the user and the computer. Although the user finds himself more distant ‘materially’ from the information, his sensorial, motor and communicational experiences are of greater proximity. And this proximity has changed both the computer – its function, its social role – and the user experience. The possibilities for computer and user were and are still being continuously defined and processed from this exchange, translations and metamorphoses surface that is the interface. Through this principle governing the creation of interfaces becomes more clear how the mediation process engendered by new technologies make them agents of our historicity, producing transformations in the human frontiers. As technology creates layers of interfaces between man and world or between man and certain domains within himself, new borders are set, old borders are reconfigured. In this sense, the concept of interface resembles the concept of membrane, as it deals with the dynamic process of constitution of layers or surfaces that enable exchanges between two heterogeneous domains, between interior and exterior, and which constitute, simultaneous and continuously, the borders that both differentiate and define them. The mediation process would be, therefore, the process of creating an interface. Through this, a certain world, a certain object, a certain space and a certain possibility of action or sensibility that were devoid of meaning or even reality for the subject before, join the domain of his experience. Membranes (…) The opening of technological access paths to the interior of our body are, in our culture, increasingly frequent. Through biomedical technologies, increasingly deeper and smaller regions and – organs, tissues, membranes, cells, genes – become visible even in the moment they are functioning. The interior of the body, this shadow region that could not be seen from outside, gradually loses its opacity at the same time it was the condition of every vision and exploitation of exteriority. And it is not only to the gaze, as image, that the interior reveals itself, but also to the “touch”, or, action, manipulation. With the molecular biology and genetic manipulation techniques, it became possible to act on the most minute and crucial parts of the body, intervening directly in its biological memory. This influx of technology into the body includes as well the manufacture of new materials, capable of penetrating and inhabiting it. From the pacemaker through titanium plates and silicone, technical artifacts enter the human body recomposing its pace or structure or by reshaping its form. Every day smaller and more biologically compatible, these artifacts promise more efficient and “digestible” interfaces between organic and inorganic. The research on brain electrode implants today constitutes a strong therapeutic promise for the physically disabled and for degenerative diseases such as Parkinson’s disease. In the same way, nanotechnology intends, by manipulating atom by atom, to fabricate robots or circuits of extreme velocity for information processing capable of operating in molecular scale. One of the goals is to allow these miniaturized artifacts to penetrate the human body, for example, to assist the immune system, repair damaged arteries or even potentialize certain mental faculties, such as memory. (…) A new spatiality or topology of the body is being outlined by these practices of technological intrusion. The membranes are multiplying and leave no limits unchanged between interiority and exteriority. We know such limits are given by the body – it constitutes both border and mediation between interior and exterior; we also know these very limits are not restricted to the biological body – the way the interior is projected to the exterior and vice-versa is not solely determined by the body’s nature, but also by sociocultural elements. More recently, technology has proved to be one of the main agents of the transformation of the body[6] or, according to what we are discussing here, of the borders that constitute it. What means to believe the limits between inside and outside are not just defined by the natural body, but also by technology? “Let us establish man as the animal whose body abandons its functions”[7], says Michel Serres. Our bodies are launching its original functions to the exterior and acquiring new functions. The mouth that one day was restricted to capturing food, now speaks or means; the hand-paw, that supported and moved, started to grab, then to work and later to write – and today grabs, works and writes increasingly less; the memory leaves the brain, passes to the paper and now to chips. The man who “abandons” his body is, therefore, a man who makes technology, but this should not lead to the assumption that it is simply an extension of the functions of the body – the cognitive included –, because, when disseminating their functions to the external space, neither body nor world remain the same – the interior and exterior, as well as the mediation between them, gain new contours. With writing, for instance, another body and another world – another man – arises: new relations between organs, new time and space experiences, new objects, new institutions, etc. In this way, the interiority and exteriority are not static spatial dimensions, but domains related to the history of mediations, where the borders between inside and outside never cease to change. (...) The concept of borders of the body being continually transformed along a history of mediations seeks answers in a topology that resonates in the work of Gilbert Simondon[8]. By refusing a topography that assumes absolute interiors and exteriors, the author proposes, in the field of individuation of the living organism, a topology with various levels of interiority and exteriority: “the space of the digestive cavities is an exteriority in relation to the blood that irrigates the intestine walls; but the blood is in its turn a means of exteriority in relation to internal secretion glands that shed the products of their activity to the blood”. In the living being, inside and outside are, therefore, a dynamic process of “transductional mediation of depths and exteriorities”. This topology assumes a chronology of the living being that does not correspond to a physical form of time. The interior space is correlated to a condensed successive time, to a past that is present “without distance and without delay” to the extent that what was produced by the individuation in the past is part of the content of the interior space, which in turn is in topological contact with the content of the exterior space in regards to the limits of the living being. The exteriority is, therefore, a future: to say that a certain substance belongs to the exterior means that it can arise. The present is, finally, “this meta-stability of the relationship between interior and exterior, between past and future”, a relationship that characterizes the process of individuation. (…) More than an instrument or a prosthesis which prolongs or repairs the functions of the body, it takes part in the history of the borders that constitute itself, adding membranes or layers of interface (between inside and outside, natural and artificial, organic and inorganic) that reconfigure both the relationship between man and the internal space of his body as with the exteriority. Medicine and Genetic Engineering, by allowing the management of this “possible in sleep”[9] that is our genotype, let arise, in the same movement, a new 18 19
3. modality of disease that “manifests” itself in the silence of components[10], as this is malady we may get to contract, a virtual disease, a not a current disease which informs us, by way of pain, symptoms and signals, the status of the present body. This transparency of gene also confers a certain depth to the body surface. In the skin and hairs lie not only the superficial and visible traits, but the deep and unequivocal traces of genetic identity, now identifiable by several types of control. Although the skin is ‘naturally’ a space of revelation, display or exposure, it has always been able to save, protect or maintain in secret. It is not by chance that blushing, sweat and odors are commonly experienced with some embarrassment, as some kind of epithelial betrayal, some involuntary exposure of intimacy on the skin. In regards to genetic identity, there seems to be no secrecy - every information is found in the skin, available to alien scrutiny. Interiorizable techno implants and prostheses, on their turn, as well as the various types of transplants, allow our body to contain materials or parts of bodies of the most varied types and origins – nanomachines, electronic circuits, pig livers, hearts and corneas from dead men; all these other bodies become part of the management and reflection on the individual body. If what a body can become depends on the membranes that constitute it, the interfaces that it establishes with the exteriority and the interfaces between the parties that make up its internal space, these new membranes that technology is now producing participate and transform the possibilities of the body and the experiences we have out of it. But it is not by simply by entering the body that technology has multiplied its membranes. In addition to these devices, that clearly attest an attempt to promote a greater sensorial immersion in digital environments, there are those who seek to constitute an extended informational space that can be accessed in the appropriate time and place. The expansion of mobile communications and of ‘smart’ portable objects that allow engaging spaces and remote agents reform the connectivity of bodies, mixing “physical uni-presence and mediatized multi-presence”[11]. In a similar sense, the development of computerized cartographic systems enable, when attached to the traffic sensors or vehicle tracking devices by satellites, collect traffic information in real time, planning optimized routes. Through these systems, the flow of information circulating in our world, that is not always viewable and accessible, composes an informational space which is available, viewable and hearable for the body in dislocation. The borders that usually circumscribe the possibilities of relationship between body and space are reconfigured: although the body remains physically attached in the ‘here and now’, its space of action and perception combines, by technological mediation, local and global, geographic and informational, close and distant strata. (...) The devices mentioned tend to resize the sensorial, motor, expressive and material limits of the body, allowing unprecedented ways of experimentation of the ordinary space or of the new environments and digital networks that now integrate our world. Alongside the technical or functional projects, these experiments have been fully exploited by contemporary art technological. (…) All bodies presented here – bodies increasingly less restricted to their organic casings, bodies that open and offer themselves, in what they have of more vital and ‘natural’, to the technical modulation, bodies that are never immediately in the world, but are always mediated by technical devices – can represent the elimination of the last borders which still allow us to be alive, organic or human. All these technological interventions on the body may represent a radical technicalization of life, of experiences and what we still have left of natural. Such mutations can still carry the risk of making us lose what implicates us in action and ethical reflection - “if the body does not exist, everything is possible”. It is being announced, certainly, that we do not have the same bodies of yesteryear. But it is not so certain that we have no bodies at all. If, in one hand, certain modalities of body experiences become less frequent, necessary or obvious, on the other hand, new schemes of visibility, affection, perception and sensoriality, which involve both our so-called natural and technical foundations, emerge. Without doubt, what is left is to interrogate and explore the modes of subjectification that derive from this body, these artificial membranes that are added to it. What mind, what cognition, what passions are therein implicated, proposed, possible? And still, what forms of control are being created? These questions, still left for thinking, relate not so much to what the technique steals or eliminates from the human being, but to what it proposes or invents that is human. To understand technology as mediation, interface or membrane is a first attempt of exploiting its participation in the history of the borders that constitute us. 1 This piece features extracts from the paper “Mediação e Interface: incursões tecnológicas nas fronteiras do corpo”, published in 2001. Cf. Da Silva D. F.; Fragoso, S. (Orgs.). Comunicação na cibercultura. São Leopoldo: Unisinos, 2001, pp. 191-215. 2 This presentation of the concept of technical objects as intermediaries is based in part on the works of Bruno Latour . Cf. Latour, B. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. 3 On the relationship between the modern technique and History, Cf. Vaz, P. “A História: da experiência de determinação à abertura tecnológica”. In: D’Amaral, M. T. (Org.) Contemporaneidade e Novas Tecnologias. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996. 4 The attempt to think technology under the perspective of mediation, as well as the relationship between technology and the historicity of the human being and society resonates in the works of Bruno Latour and of Michel Serres – particularly in the concept of transcendent goal, according to which what we can be and think depend on what we are capable of doing, that is, depends of what our techniques, current and virtually, make possible. Cf. Serres, M. Hermes IV - La distribution. Paris: Minuit, 1977; Statues. Paris: François Bourin, 1987; Latour, B., and Serres, M. Eclaircissements: cinq entretiens avec Bruno Latour. Paris: Flammarion, 1994. 5 Johnson, S. Interface Culture: how new technology transforms the way we create and communicate. New York: Harper Collins, 1997. Cf. also Laurel, B. Computer as theatre. Massachusetts: Addison-Wesley, 1993. 6 Studies on this theme date back, in their majority, from the second half of our century and have increased in number since the 70s. Michel Serres, Donna Haraway, François Dagonet and Paul Virilio are important references in the current scenario of studies on the relationship between body and technology. 7 Serres, M. “Préface”. In: Testart, J. L’Oeuf Transparent. Paris: Flammarion, 1986. 8 Cf. Simondon, G. L’Individu et sa Genèse Physico-Biologique. Paris: PUF, 1964. 9 Serres, M., 1986, op.cit., p. 10. 10 Health, until the 50s of our century, was defined as “life in the silence of the organs”. Today, with the anticipation of the infirmities, there is virtual disease in the silence of the organs. Cf. Canguilhem, G. La Santé, Concept Vulgaire & Question Philosophique. Toulouse: Sables, 1990, p.10 and Bruno, F. Do Sexual ao Virtual. São Paulo: Unimarco, 1997. 11 Weissberg, J-L. Présences à distance. Paris: Harmattan, 1999. 20 21
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